Foto: Clóvis Dariano

Leonor costumava vagar pelos ambientes de seu pequeno apartamento à espera de que alguma coisa acontecesse em sua vida. Gostava de gatos, mas não conseguia cuidá-los, gostava de remédios, mas não sabia como tomá-los. Todos os dias acordava em diferentes lugares da casa, e isso já não a surpreendia  mais. Apegada à seu passado, costumava  guardar coisas insignificantes; bilhetes velhos, roupas que não cabiam mais, moedas que já não tinham mais valor, entre outras pequenas coisas.
Durante toda sua vida sonhou em ser outra pessoa, quando pequena se imaginava em diferentes situações e brincava de mudar sua aparência. Já adulta guardava consigo essa pequena mania: andar pela casa com suas tantas personalidades. Desfrutava de uma criatividade incrível, o que a fazia criar diferentes tipos em pouquíssimo tempo. Era sua filosofia de vida. Solitária. Onde suas tantas “caras” ficavam escondidas entre quatro paredes. 
Quando a noite caía se sentia  angustiada  e não sabia exatamente o que fazer. Perambulava pela casa arrumando pequenos detalhes em seu apartamento e muitas vezes criava um diálogo imaginário. 
Mesmo acompanhada de seus fantasmas fiéis, esquecia dos motivos que a levavam aquela situação de desespero. Quando não tinha mais o que buscar, afundada em memórias fora de ordem, sem sentido e dolorosas, claustrofóbica nos seus clichês, alterada pela sua rotina insuportável, descobria sua verdadeira liberdade se tornando a diva Gilda.
E na baixa claridade do entardecer, Leonor caprichava nos detalhes dos movimentos, na retirada das luvas, no balançar dos ombros, nas suaves jogadas de cabelo. E por alguns minutos sentia sua pele arder. Porém, mesmo concentrada em sua coreografia, em cada passo dançado e na letra da musica que dublava, alguma coisa sempre saía errada. Leonor tinha a capacidade de estragar seus shows. Os shows para nenhum público, isolados de tudo e de todos.  Leonor era uma perdedora e, frustrada com seus tropeços pela vida, trancafiava-se para alcançar sua falsa liberdade.
Nos clichês de todo dia ocupava-se com seus remédios fortes. Com eles obtinha um poder nunca antes visto, uma força extra humana que a fazia subir em paredes, imaginar objetos pendurados no teto e se transformar constantemente em outra pessoa. Suas roupas  viravam elegantes figurinos de gala. E seus momentos solitários se transformavam em multidões aplaudindo suas raras aparições. 
Ao som de Every Times We Say Goodby, sentia todas as suas perdas, mas também suas pequenas conquistas. Sem conseguir mover seu corpo, nem seu olhar, ela se entregava à melancolia da melodia e lembrava dos bons anos de sua vida, onde seus desejos ainda podiam ser realizados, onde tudo o que gostaria de criar estava para ser criado, e onde o futuro ainda estava para vir. Mas ela, sem força para criar um novo caminho, não se desloca mais. Apenas no amargo de seus remédios e nas fantasias caseiras, como uma pequena menina que constrói  seus sonhos ingenuamente.




           

Um comentário:

Unknown disse...

Leonor está em cada um de nós. Em qualquer movimento diário do nosso corpo. Em qualquer passeio mental buscando referências do passado morto. Somos personagens fantásticos dos filmes que ensaiamos no dia a dia. Usamos máscaras para esconder as mágoas e tristezas que tem o mau hábito de nos acompanhar pela vida. Que companhia mais chata e inadequada!Lindo este blog, linda nossa triste Leonor, depois uma Gilda recheada de barbitúricos! Linda carol!

Auto Retrato

Auto Retrato Póstumo

Quedas